Paradoxo - Contradições


Selda Pessoa

A campainha toca pela segunda vez, mas Clara ainda não acabou de se arrumar. Aviso que sua amiga chegou, mas já sei que caberá a mim recebê-la. Finalmente vou conhecer a moça sobre quem escuto tantas histórias, com quem há alguns meses divido o tempo da minha esposa, pelo menos nas quintas-feiras após as aulas do curso que fazem juntas.

Tive uma semana cansativa no trabalho, mas não consegui evitar o jantar dessa noite - raramente consigo negar um pedido de minha mulher. Clara tem uma agitação própria, uma sede por coisas novas, às vezes difícil de acompanhar. Por outro lado, pelo incentivo dela, em algumas semanas viajarei para Israel, para o disputado e instigante curso de Educação do Futuro. Há uma amizade e liberdade incomum ente nós.

Me dirijo preguiçosamente até a porta, sabendo que terei que fazer sala para a “famosa Bia”, com quem provavelmente falarei sobre as altas temperaturas do verão até Clara recuperar o tempo que, como sempre, calculou mal. Destravo a fechadura e fico parado alguns segundos, diante da jovem morena sorridente.

- “Boa noite, você é o Gabriel!” – Diz ela me abraçando espontaneamente, com seu perfume suave e amadeirado parecendo passar para a minha camisa. Em segundos entendo como as duas ficaram amigas em tão pouco tempo.

Peço desculpas pelo atraso de minha esposa, mas Bia não parece se importar e entra à vontade na casa, elogiando cada coisa que vê, parecendo realmente encantada. Ofereço o vinho branco que Clara já havia gelado, brindamos e ela bebe animada, contando várias coisas que ouço como se a conhecesse há anos.

Clara desce a escada, ambas sorriem ao se ver. Noto suas pernas bem torneadas pela fenda discreta da saia, quando fica nas pontas dos pés para abraçar minha mulher. Me distraio e não respondo à pergunta que me fazem. Falaram algo sobre atrasos, disfarço rindo e enchendo as taças de vinho.

Jantamos e conversamos sem parar, não vejo a hora passar. A moça que ri com facilidade e muda habilmente de um assunto para outro, se torna o centro das atenções durante toda a noite. Ela veste uma camisa branca comum, com os primeiros botões abertos, mostrando sua pele queimada de sol e eventualmente um pequeno pedaço da renda que usa sob a blusa, o que me chama constantemente a atenção e desperta minha imaginação.

Sinto um certo desapontamento quando Bia olha o relógio e se assusta com o horário, declarando que deixará nossa companhia. As duas se abraçam ao se despedir, como se fossem demorar anos para se encontrar novamente, e eu ganho o mesmo abraço caloroso. Clara anuncia diante de nós dois que está com ciúmes pelo abraço e pela afinidade instantânea que aconteceu entre mim e Bia, rindo dela mesma em seguida, como sempre faz quando se dá conta de sua espontaneidade, às vezes quase ingênua.

Ensaiamos subir a escada para dormir após as muitas taças de vinho, mas o jantar agradável me fez esquecer o cansaço. Nos agarramos tão logo trancamos a porta, arranco apressadamente o vestido de Clara, enquanto a deito no tapete da sala. Antes de saciar meu desejo, observo o belo corpo de minha esposa, que impaciente me puxa com força para perto de si. Ela adormece ali mesmo em meu ombro, após a intensidade com que encerramos essa noite inusitada. Pelo vidro da varanda consigo ver a luminosidade da lua e as árvores em formações estranhas no escuro da noite, parecendo encenar sobre os mistérios e surpresas da vida humana.

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Selda Pessoa

E-mail: selda.pessoa@icloud.com

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