Selda Pessoa
Com a boneca na mão
Vejo a mágica acontecer
Barra acabada, ela pendura o vestido
Me emociono ao ver
Mamãe, tão grande, tão forte
Costura horas a fio
Cresce meu encanto e vontade
De também aprender sua arte
A agulha em minhas mãos pequenas
Deslizam como se tivessem vida
Alegro a patroa, Dona Julia
Bondosa, sorri, ao ver nascer cada blusa
Assim vou crescendo e tecendo
Vestidos, echarpes, histórias
Enquanto piloto a máquina
Passa a vida, o tempo, a memória
Costurando fui sobrevivendo
À pobreza na qual cresci
Tudo mudou, quando um amor passageiro
Pôs em meu ventre o amor verdadeiro
Tudo mais belo e mais sério
O trabalho não é mais só prazer
É a chance de fazer diferente
Pra essa vida que acabou de nascer
Mas cada gota de sangue
Que sai na distração com a agulha
Não traz valor, gratidão
A indiferença me ensina a amargura
O amor verdadeiro cresce
E porque brinca, ensina a sonhar
Imagino meu próprio negócio
Se um dia a coragem deixar
Ao entender a crueldade
Que ser mãe é menor que estudar
Encontro a minha maldade
E a coragem até pra roubar
Mas por tudo que fiz com amor
O amor me foi devolvido
A patroa, a escola, o começo
Apoiou o meu novo endereço
Separadas e as vezes juntas
Seguimos assim costurando
Nossas tão diferentes histórias
Cerzidas por força e memórias